Vírus Benéfico Cultivado no Chile Promete Combater Doenças como a Salmonela
Cientistas chilenos desenvolvem vírus que ataca bactérias nocivas, oferecendo uma alternativa inovadora no combate à salmonela e outras infecções.
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Startup Chilena Desenvolve Medicação em Animais de Corte para Prevenir Doenças Resistentes a Antibióticos
Um laboratório inovador no Chile está revolucionando a forma de combater doenças bacterianas em animais de corte antes que estas possam afetar o organismo humano. A startup PhageLab desenvolveu uma técnica para cultivar mais de 1.000 tipos de bacteriófagos, conhecidos como "fagos" ou "vírus do bem", que infectam e destroem bactérias nocivas tanto para seres humanos quanto para animais, incluindo a perigosa salmonela.
A salmonela, uma das principais causas de intoxicação alimentar, é transmitida pelo consumo de carnes contaminadas, como a de bois e frangos, além de alimentos crus, como legumes. Em casos mais graves, pode levar à morte. Para combater essa ameaça, os pesquisadores da PhageLab cultivam fagos em um laboratório de alta tecnologia em Santiago. O processo é protegido por patentes e envolve segredos industriais, já que o principal mercado da medicação é o Brasil, um dos maiores produtores de carne do mundo.
Embora a salmonela possa ser evitada com o cozimento adequado dos alimentos, segundo o Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa), a bactéria é altamente resistente. O clima quente do Brasil favorece sua proliferação e, em muitos casos, ela consegue sobreviver até mesmo a antibióticos tradicionais. Essa resistência traz sérios prejuízos à economia, causando desde perdas locais até embargos internacionais.
O grande objetivo da PhageLab é eliminar a salmonela antes que ela tenha a chance de entrar na cadeia alimentar humana. Para isso, a startup desenvolveu uma medicação à base de fagos, administrada em diferentes fases da alimentação dos animais destinados ao consumo. Esse método inovador não só previne infecções, mas também reduz a necessidade do uso de antibióticos, minimizando o risco de resistência bacteriana.
O que são os Fagos?
Os fagos são vírus que atacam exclusivamente bactérias, sendo completamente inofensivos para o organismo humano e animal. O uso terapêutico desses vírus remonta aos anos 1920, na Europa. No entanto, com a descoberta da penicilina e o avanço da era dos antibióticos, o interesse pelos fagos diminuiu consideravelmente. Hoje, com o aumento alarmante da resistência bacteriana, eles voltam a ganhar destaque na comunidade científica global.
Além do laboratório em Santiago, a pesquisa com fagos está em expansão em centros de estudos na Europa e no Brasil, incluindo a Universidade de São Paulo (USP). O crescimento da resistência aos antibióticos tradicionais é uma preocupação global. Em 2022, a Organização Mundial da Saúde (OMS) divulgou um relatório alarmante: a resistência antimicrobiana aumentou 15% em casos de salmonela entre 2017 e 2022, com dados coletados em 87 países, cobrindo 72% da população mundial. Esse cenário levou a OMS a pedir um compromisso internacional para enfrentar o problema.
Como Funciona o Processo
Para desenvolver tratamentos eficazes, produtores brasileiros enviam amostras de fezes de animais, contendo até 300 variações de salmonela, para o laboratório chileno. Lá, os fagos são testados para verificar sua capacidade de eliminar as diferentes cepas da bactéria.
"Se não conseguimos eliminar esses 200 a 300 tipos de salmonela das amostras com o acervo de fagos que já temos, precisamos isolar as bactérias e testar novos fagos até encontrar uma combinação eficaz", explica o virologista responsável, Nicolas Cifuentes.
O laboratório também utiliza uma "incubadora" de bactérias, semelhante a um liquidificador que opera entre 36ºC e 41ºC, temperaturas ideais para o crescimento bacteriano. Esse ambiente simula as condições do intestino dos frangos, os principais hospedeiros da salmonela. "Se você começa com um milhão de bactérias, em 30 minutos já serão dois milhões. Durante a madrugada, esse número pode chegar a centenas de milhões", destaca Cifuentes.
Impacto no Brasil e Resultados
Fundada em 2010, a PhageLab estima que sua fórmula à base de fagos já é utilizada no tratamento de 590 milhões de frangos no Brasil. A expectativa é expandir esse número para 2 bilhões até 2025. A empresa também possui uma filial em Curitiba, reforçando sua presença no mercado brasileiro.
Em dezembro, a PhageLab publicou um estudo abrangente com 4 milhões de frangos de 17 fazendas brasileiras. Os resultados foram promissores: 14 dessas fazendas apresentaram uma redução significativa na carga bacteriana de salmonela, comprovando a eficácia da medicação. "Com a venda de carne certificada, livre de salmonela, é possível comercializá-la por um valor até seis vezes maior em mercados exigentes, como Alemanha, Estados Unidos e Arábia Saudita", explica Pablo Cifuentes, chefe de tecnologia da empresa.
Essa abordagem não só melhora a segurança alimentar, mas também representa um avanço significativo na luta contra a resistência antimicrobiana, oferecendo uma solução sustentável e eficaz para o futuro da saúde pública global.
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